quarta-feira, 20 de junho de 2012

Narratividade e Narrativa – notinhas semióticas


SÁBADO, 5 DE FEVEREIRO DE 2011


Após o pontapé inicial do Leonel, me intrometo no percurso da bola, domino-a e passo adiante, apresentando um dos olhares que molda nosso blog.

O livro de Rute é normalmente classificado entre os livros narrativos da Torá. No meio bíblico, é costumeiro nomear como narrativa os textos que contam alguma estória ou história, têm enredo, personagens, temporalidade e espacialidade explícitas, etc. É uma classificação tradicional também em estudos literários e em lingüística, e não há nada a questionar nesse aspecto. Discussões mais interessantes têm a ver com o gênero textual (expressão melhor do que a famosa “forma literária”, já tradicional na exegese bíblica) e as abordagens possíveis a um texto narrativo.

Em Semiótica greimasiana, porém, a palavra “narrativa” é usada em dois sentidos distintos. Um deles é esse sentido tradicional mencionado acima (daí, nada a acrescentar). O outro sentido, típico da semiótica é mais interessante do ponto de vista metodológico, independentemente de aceitarmos as teses da teoria. Apresentarei, primeiramente, o conceito de narratividade (ou “Percurso narrativo”) em pequenas notas. A seguir, farei uma apropriação do conceito para a leitura de textos bíblicos:

(1) A narratividade é uma categoria da linguagem e da cultura, de modo que toda comunicação humana, todo texto, possui uma dimensão narrativa – independentemente do gênero textual ou gênero oral ou gênero discursivo de tal comunicação;
(2) “Parte-se de duas concepções complementares de narratividade: (a) narratividade como transformação de estados, de situações, operada pelo fazer transformador de um sujeito, que age no e sobre o mundo em busca de certos valores investidos nos objetos; (b) narratividade como sucessão de estabelecimentos e rupturas de contratos entre um destinador e um destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e a circulação de objetos-valor. Em outros termos, as estruturas narrativas simulam a história da busca de valores, da procura de sentido.” (BARROS, Diana Luz P. Teoria do Discurso. Fundamentos Semióticos. São Paulo: Atual, 1988, p. 28);
(3) Nos anos 1990 em diante, a Semiótica acrescentou um terceiro elemento à sua compreensão de narratividade: ela é também o lugar da construção passional da identidade do sujeito da ação. Assim, além de simular a busca de valores e a procura de sentido, a narratividade semiótica simula a busca-de-si e a busca-do-outro;
(4) Enfim, a narratividade, como conceito, é um simulacro, uma simulação da vida em sociedade. Analisar a narratividade (a dimensão narrativa) oculta em um texto (narrativo, ou não), demanda reimaginar as lutas, os contratos, os acordos, as conflitividades sociais que o texto, por sua vez, também simula – a partir de uma visada (ponto-de-vista, posição ideológica, etc.)

Para citar a mim mesmo (e, subliminarmente, fazer propaganda do meu livro...):

Toda ação é concebida como um fazer-transformador de estados, e pode ser assim analisada. Por exemplo, na sentença “Jesus veio de Nazaré”, o agir de Jesus indicado pelo verbo veio produz uma transformação no sujeito Jesus: antes, ele não estava no rio Jordão; agora, ele está no rio Jordão. Para realizar uma ação, o sujeito necessita de intencionalidade e competência, que são características tanto pessoais quanto sociais. A intencionalidade engloba tanto a motivação para agir, quanto os objetivos da ação, pois quem age sempre o faz em busca de um objetivo, movido por um dever, ou por um querer. Entendendo a motivação como pessoal e social, a semiótica lhe dá o nome de manipulação. Se Jesus foi para o Jordão, é porque ele devia sair de Nazaré para realizar algum objetivo [...] 

A intencionalidade, porém, não é suficiente para dar conta da ação. É necessário que o sujeito seja capaz de realizar a ação desejada, é necessário que o sujeito tenha competência para agir. Na linguagem semiótica, a competência se desdobra em saber-fazer e poder-fazer, que sintetizam todas as competências reais de pessoas no mundo. O alvo da ação é denominado de objeto-valor e aquilo que é necessário para alcançar o alvo é denominado de objeto-modal. Dever, querer, poder e saber simulam todas as motivações e competências que, no mundo real, mobilizamos para agir. A busca de objetos-valor representa, sêmio-discursivamente, as buscas pessoais e sociais por realização, os conflitos sócio-econômicos, políticos, etc. 

A ação realizada é denominada de performance. A performance se desdobra em um fazer-ser (opera transformação no próprio sujeito da ação) e em um fazer-fazer (opera transformação na relação do sujeito com o objeto-valor). Uma vez realizada, a ação terá sido bem-sucedida ou não, o alvo terá sido alcançado ou não. Ou seja, a ação será avaliada, receberá (na linguagem semiótica) uma sanção, que pode ser positiva ou negativa. Estes quatro elementos compõem o que se chama, então, de percurso narrativo canônico – que é um simulacro (modelo) da ação humana em sociedade. A narratividade, portanto, é esse movimento, esse percurso que vai da intencionalidade (manipulação e objetivo) à sanção, passando pela competência e performance. (ZABATIERO, Júlio P. T. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 20092, p. 105s.)

SEXTA-FEIRA, 4 DE FEVEREIRO DE 2011

Novo ano, novos rumos - livro de Rute

Iniciamos um novo ano de trabalho agradecendo a Deus por sua misericórdia que se renova sobre nós e orando por sua ação poderosa e libertadora sobre aqueles que sofrem física, psíquica, emocional e espiritualmente no Brasil e no mundo.

Agradecemos também aqueles que nos têm acompanhado neste blog lendo as mensagens, divulgando-o e comentando os posts. Esperamos continuar com a presença de vocês.

E aproveitamos para informar o início de uma nova metodologia. Começaremos a discutir e comentar livros bíblicos. Em lugar de textos específicos que permitiam uma maior liberdade de abordagem, passaremos a nos deter em livros em sua totalidade. 

A ideia é comentarmos/discutirmos do início ao fim alguns livros da Bíblia no decorrer do ano. Isso trará novas perspectivas e desafios. Para tanto, queremos manter aquilo que é o diferencial proposto por este blog: a leitura/intepretação da Bíblia a partir de vários ângulos. Nesse novo exercício interpretativo continuamos contando com a participação e sugestões de vocês, nossos leitores.

Resolvemos começar com o livro de Rute. 

Antes de iniciar os comentários faremos uma discussão a respeito da metodologia a ser utilizada. Como tem sido comum neste blog, tal discussão será bastante aberta e plural. O objetivo é esclarecer, diante de propostas convencionais de comentários bíblicos, como pretendemos trabalhar. Certamente alguns tópicos já discutidos no ano passado retornarão, agora de forma mais concreta.

Posto isso, começaremos nossa caminhada. Será um prazer e uma alegria tê-los conosco!

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