terça-feira, 19 de junho de 2012

Questionamentos e amizade – Gl 4.1-20



Neste grande bloco, Paulo apresenta inicialmente um detalhamento, em caráter explicativo (4.1-7), sobre o que falara anteriormente (3.23-29). Em seguida, se utilizando de perguntas como fizera em 3.1-5, questiona novamente seus leitores (4.8-11). Por fim, o apóstolo faz uso do argumento da amizade para tentar fazer-se ouvir (4.12-20).

Em 4.1-7 temos uma espécie de nota explicativa a respeito dos versículos anteriores. Por que ela é necessária? Se anteriormente ele afirmou que, antes que viesse a fé, estavam todos sujeitos à lei, agora ele complementa o raciocínio, utilizando proposições jurídicas para dizer que o herdeiro, quando menor, não goza de seus direitos, sendo na prática igual a um escravo (4.1). Do mesmo modo, ele e os gálatas também estavam sujeitos aos rudimentos do mundo (4.3). Tal situação mudou com a vinda de Jesus Cristo, que permitiu que aqueles que permaneciam sob a lei fossem adotados como filhos por Deus (4.4-6). A situação presente, portanto, não é de escravidão, mas de filiação (4.7).

Em seguida (4.8-11) Paulo torna-se mais direto e agudo. Ele foca o passado dos gálatas. A vida sem Deus era caracterizada pela servidão aos rudimentos do mundo (4.8-9). É interessante observar que Paulo se abstém de criticar o politeísmo dos ouvintes. Seu argumento não foca esse aspecto. Para ele, a idolatria coloca o se humano sob a tirania de “rudimentos fracos e pobres” (4.9). Portanto, se os judeus estiveram sob a escravidão da Lei antes da manifestação de Jesus Cristo, os gálatas também se encontravam escravizados. O problema, para Paulo, é que seus leitores querem submeter-se novamente à escravidão que, por questões étnicas e religiosas, para não dizer teológicas, não dizia respeito a eles. Paulo está muito preocupado com a situação, a ponto de temer ter perdido seu trabalho (4.9).

É essa preocupação que o leva a 4.12-20. Para alguns comentaristas a utilização dos laços de amizade como argumento indica um destempero emocional do apóstolo. Mas parece não ser isso que ocorre. A linguagem é escolhida de modo cuidado para o fim pretendido. Paulo é bastante enfático. Termos e expressões como “vos suplico” (4.12), “enfermidade física” (4.13), “me recebestes como anjo de Deus” (4.14), “teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (4.15),”tornei-me, porventura, vosso inimigo por vos dizer a verdade?” (4.16), “meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto” (4.19), dão o tom emocional que percorre todo o texto. O que Paulo pretende?

Inicialmente, resgatar a empatia dos gálatas. Para Paulo, ele e seus leitores são iguais (4.12). O estremecimento relacional fica patente quando o apóstolo afirma não estar ofendido (4.12). O restante da perícope é desenvolvido na tentativa de resgatar o relacionamento que parece estar quase perdido. Os termos alistados no parágrafo anterior dão testemunha disso. Tanto o esforço de Paulo para pregar o evangelho na região quanto o recebimento amoroso que experimentou testemunham o início positivo das relações. No entanto, parece que Paulo tornou-se inimigo deles (4.16). Isso estaria acontecendo por influência de pessoas que desejavam afastar Paulo dos gálatas (4.17). Como Paulo combate tal influência? Chamando para si o privilégio de ter sido a mãe daqueles cristãos e de estar, por amor a eles, sofrendo novamente dores de parto (4.19). O final não é nada animador. Paulo não tem certezas a respeito deles. Pelo contrário, encontra-se “perplexo” (4.20).

Finalizo com uma reflexão. No contexto das disputas entre Paulo e os judaizantes que têm influenciado os gálatas a rejeitarem seu antigo mentor e seu ensino, este texto diz muito. É um momento em que Paulo, de certa forma abandonando questões teológicas, apela para aquilo que há de mais profundo e verdadeiro: o relacionamento. Nisto não há máscaras, desculpas, subterfúgios. É um momento muito intenso, mas que somente é possível em função da história que Paulo construiu juntamente com seus leitores. 

Pergunto-me quantos líderes e pastores da atualidade teriam condições de se colocarem no lugar do apóstolo. Temo que a maioria se deixaria guiar por duas opções. A primeira, diante dos problemas, simplesmente abandonaria o campo e migraria para outra igreja onde pudesse ser compreendido e seu ministério tivesse condições de progredir. Afinal, por que deveria continuar “dando murro em ponta de faca?” Essa é uma visão empresarial cada dia mais presente nas comunidades evangélicas, bem distante da visão que o apóstolo Paulo tinha de ministério: “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a Igreja” (Cl 2.24).

A outra possibilidade seria exatamente contrária à primeira. O pastor assumiria o papel de mártir, daquele que, embora certo, sofre, frente a uma igreja, segundo ele, errada, corrompida, adúltera, que precisa ser corrigida, disciplinada e “aprender quem, de fato, manda”. É o ministério “punho de ferro”. Tal postura, na maior parte das vezes, gera divisões nas igrejas, produz exílios, expulsões, mágoas e escândalos. E, pior, parte de um pressuposto equivocado, aquele que afirma que o pastor, por ser o “ungido de Deus”, sempre está certo, e que o povo é simplesmente uma massa de manobra.

Ao ler Paulo, vejo como esses dois modelos são caricaturas, são expressões quase demoníacas de filosofias de liderança equivocadas.

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